Falemos de Cabala. Calma, não tomarei preciosos minutos do
seu tempo falando sobre tabelas que você já conhece, encontráveis em dez mil
livros e páginas da internet. Falo aqui de Cabala como cavalo alucinógeno que
nos carrega ao longo das imagens e letras. Um dos sentidos de “Kabbalah”, em
hebraico, é “receber”, então vamos pegar apenas isto da etimologia séria, e
tragamos aqui para o nosso mundo fluido de delírios filológicos e etimologias
imaginárias. Aqui Cabala é “cavalo” e “receber”, e também ser cavalgado, ser
veículo de mensagens sagradas.
Cabala, assim com “c”, é um termo usado por Fulcanelli para
um uso especial da linguagem, o uso de similaridades fonéticas e outras
técnicas, para expandir a riqueza semântica das palavras e símbolos. Isto está
profundamente relacionado com a Língua Verde, ou Linguagem dos Pássaros, dos
alquimistas. Alguns, ao longo do tempo, chamaram isso de “Cabala Fonética”. Eu
gosto muito deste termo, embora não goste de me limitar aos sons.
Sendo honesto com você, isso de combinar a forma das
palavras, suas homofonias e rimas com etimologias reais e imaginárias visando
expandir o campo semântico das palavras quer dizer uma coisa: cair em transe. Não
um transe convencional, daqueles que geram dissociação total, verdade, mas
ainda assim um estado peculiar de percepção, que vai sendo afiado com o tempo
de uso, como uma espada. Em outro texto falaremos de espadas. Este estado de
percepção nos permite “receber” mensagens, e enxergar coisas que não estavam
ali antes. Isso pode nos levar a vermos o que não estava ali antes nas nossas
vidas também, nos nossos problemas e questões. Trata-se de magia simpatética
old school, e um tipo interessante de vidência, e como não se trata de um
sistema, você pode aplicar a qualquer coisa, inclusive cartas de tarô. Não estou
aqui falando apenas com profissionais da cartomancia, tampouco dando “dicas”
que só servirão para os que leem cartas profissionalmente. Estou falando com
toda e qualquer pessoa que deseje extrair mensagens de cartas de tarô. Também não
estou colocando-me como inventor, estou aqui no máximo como transmissor, e nem
sou dos melhores. Não sou um Senhor das Chaves Arcanas, estou mais para um
amigo que no meio de uma partida de carteado diz, “ei! Sabem aqueles
trocadilhos do tio José? Dá para ler cartas com eles!” Não se trata de inventar
a roda, se trata de curtir a vertigem da rotação dos signos, e perceber as
inusitadas formas que surgem quando as coisas se embaralham. Trata-se de dizer
que ventilador é um aparelho mágico que sopra o nosso coração quando ele está
ferido, com dor. Como aplicar a Cabala Fonética ao tarô? Bom, eu ainda estou
descobrindo isso, mas o primeiro passo é ampliar a percepção para além da
fonética, a abrir-se para todo tipo de rimas e ritmos que possam ser
conectados. Por exemplo, você está diante de uma questão sobre o fim doloroso
de um relacionamento, e a Roda saiu. A roda gira, o que remete a movimento,
ciclos, e também tem associação com um instrumento de tortura, o que nos leva a
dor, o formato da roda nos lembra do ventilador. A dor do consulente precisa
ser ventilada. Se depois da Roda vem a Estrela, temos um moinho (moer,
re-moer). Quem alimenta esta Roda? Este giro? Esta dor? Podemos responder estas
perguntas com a terceira carta.
O baralho que mais dialoga comigo quando aplico este modo de
leitura é o Tarot de Marselha. Eu realmente não sei ao certo se alguém criou
estas imagens para funcionarem assim, digo, imagem por imagem. Existem migalhas
no caminho para você encontrar respostas, Compagnonage, caleidoscópios,
imagiers medievais, catedrais góticas, vitrais góticos, alquimia, Fulcanelli
etc., o que percebi até agora olhando para as cartas, é que há um jeito de
fazer imagens que simplesmente faz com que as conexões surjam. As simetrias,
olhares, posturas, descontinuidades, incompletudes. Se você chegou até aqui com
esperança de que este texto ficaria mais sério, acadêmico, ou “profundo”, sinto
te decepcionar, tratam-se de divagações, e as divagações continuarão em outro
texto. Por hora, se você quiser entrar em transe com o seu baralho, sugiro
algumas coisas:
1. 1. Leia O
Castelo dos Destinos Cruzados, de Ítalo Calvino, e logo depois de terminada
a leitura, coloque 3 cartas em sequência, melhor que a primeira tenha uma
figura humana, feche a sequência com um Arcano Maior, e escreva um conto à
maneira dos contos do livro. Eu fiz isso na primeira vez que li este livro, até
hoje não sei o que me deu aquele dia, mas passei a noite em claro escrevendo
como um louco com as cartas diante de mim. Os contos não precisam ser obras
primas, trata-se de um exercício.
2. 2. Faça estes exercícios bolados por Enrique
Enriquez, http://www.tarotforum.net/showthread.php?t=102599
Isto não irá te fazer abandonar tudo que você acumulou até
aqui, nem entrará em choque com nada na sua prática oracular, pois não se trata
de um sistema. A sua caminhada e aprendizados são únicos e preciosos. Isto aqui
só irá deixar tudo mais divertido, e irá afiará os seus olhos reais e
imaginários. E por falar em afiar, no próximo texto, farei algumas aproximações
entre o tarô e a poética agudíssima de João Cabral de Melo Neto. Mas não se
esqueçam, serão apenas devaneios...
Hasta luego!
Hasta fuego!
Hasta Juego!
rafael medeiros
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